terça-feira, 7 de agosto de 2007

Bergman, Antoninoni e o eclipse de uma era do cinema 2/3

Beirando o sublime

Se há algo realmente em comum entre Bergman e Antonioni foi a incrível capacidade de ambos em representar as contradições do ser humano em filmes que, muitas vezes, atingiram o limite do sublime. Filmes que merecem o nome de “clássicos” por diversas razões.
A começar pela abordagem que eles dão às mais “existenciais” experiências do ser humano: os descaminhos do amor, o vazio da solidão, o sempre incômodo legado familiar, a dificuldade da comunicação pessoal, os pequenos segredos e grandes acontecimentos guardados na memória e, inclusive, a constante presença da morte ao nosso redor.
Além disso, também são filmes memoráveis na forma como, em seus universos, estes “dramas da existência” deixam sempre transparecer – muitas vezes através de comentários cínicos, ácidos e até cômicos – o tipo de mundo e o sistema de poder que fazem da existência humana algo muito mais penoso, sombrio e “desesperançado” do que deveria ser.
Mas, acima de tudo, Bergman e Antonioni morreram carregando dignamente o título de “mestres” porque, como poucos outros, souberam fazer isso com um domínio genial da linguagem cinematográfica e tudo aquilo que faz do cinema uma forma única de arte.
Nas mãos deles, um “close” no rosto de um personagem poderia ganhar a profundidade de um enigma; sutis movimentos de câmera construíam verdadeiros discursos e os prolongados planos e silêncios serviam como uma espécie de convite para que o espectador “entrasse” no filme, divagasse por aquele universo, dialogasse com os conflitos de seus personagens, refletisse sobre os questionamentos levantados pelas muitas “estranhezas” que sempre caracterizam as obras de Bergman e Antonioni.

O mal-estar do mundo
Não é uma coincidência que ambos sejam frutos do pós-II Guerra e do cinema (principalmente a partir do neo-realismo italiano) que se originou em uma Europa que, depois de anos de destruição e luta, buscava se renovar desesperadamente.
Bergman trilhou seu caminho em mais de 50 filmes e dezenas de outras produções para a TV, o teatro e a ópera. No cinema, foram obras inesquecíveis como “Fanny e Alexander” (1982), “Sonata de outono” (1981), “O ovo da serpente” (1977), “Cenas de um casamento”, (1973), “Gritos e sussurros” (1972), “Persona” (1966), “Morangos silvestres” (1957) e “O sétimo selo” (1956).
Michelangelo Antonioni deu início à sua história no cinema com uma trilogia que tem como tema o árido mundo da alienação e da solidão, explorado pelos filmes “A aventura” (1960), “A noite” (1961) e “O eclipse” (1962). Seu maior sucesso internacional, contudo, foi “Blow Up” (que, no Brasil, ganhou o inacreditável título “Depois daquele beijo”), de 1966.
Baseado no conto “Las babas del diablo”, do argentino Julio Cortazar, e transformado em filme-ícone da agitada Londres nos anos 60, “Blow Up” é um curioso mergulho num mundo no qual a verdadeira aparência das coisas só revela-se depois de sucessivas e persistentes tentativas.
Outros dois fantásticos exemplos de seu cinema foram “Zabriskie Point” (1970) – uma quase psicodélica e pouco otimista visão do futuro, contada ao som do Pink Floyd, do Grateful Dead, e dos Rolling Stones – e “Profissão: repórter” (1975), no qual Jack Nicholson vive um intricado conflito de identidades.
Distintos em vários sentidos, em todos estes filmes há uma perceptível sensação de “mal-estar”. Um “mal-estar-no-mundo”. Não é incomum, por exemplo, que os personagens destes diretores vaguem pela história a busca de suas origens, de algo que lhes complete ou de alguém que lhes dê um sentido para a vida. De algo ou alguém que amenize o tédio e a solidão em que eles se encontram mergulhados.
Tidos por muitos críticos como “existencialistas” e, conseqüentemente, “despolitizados”, Bergman e Antonioni foram, no entanto, expressão daquilo que a arte tem de único e mais revolucionário: a possibilidade de, quando livre, expressar não só a realidade humana, mas também sua subjetividade.
Se é verdade, como nos ensina o marxismo, que é a existência que determina a consciência, também é um fato que a arte é um campo onde também é possível se representar as camadas mais submersas desta existência e como elas se movem diante do constante confronto com a realidade. Estes foram, inegavelmente, os campos onde Bergman e Antonioni foram únicos.

Wilson H. da Silva, da redação

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