quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Não abandonem nossos gramados

Por Cristiane Segatto

Nunca imaginei que alguma vez na vida pudesse ser identificada como ativista ambiental. Tenho medo de mato e de bichos. Quem me conhece sabe que faço qualquer coisa para não ter de viajar ao Pantanal ou à Amazônia. Meu truque é jamais tomar a vacina contra a febre amarela. Assim tenho uma boa desculpa para dar ao meu chefe caso ele resolva me mandar fazer uma reportagem por esse Brasilzão afora. Tenho o maior respeito e admiração pelos meus colegas jornalistas que se embrenham no mato para denunciar absurdos. Sei que não poderia me juntar a eles. Meu limite -- físico e psicológico -- é o asfalto. Na semana passada tive uma surpresa. Numa reunião de condomínio, fui tachada de ecochata. Disseram que eu, meu marido e minha filha de 7 anos deveríamos nos mudar para a Amazônia. O motivo da discórdia: uma quadra de grama de 80 metros quadrados, cuja manutenção foi abandonada há cerca de um ano. Moro na Pompéia, em São Paulo, num condomínio de classe média sem nenhum luxo. Escolhemos o bairro porque é um lugar onde podemos fazer quase tudo a pé em vez de contribuir para a neurose do trânsito da cidade. O que nos fez decidir pela compra, no entanto, foi a área verde: jardins laterais e o delicioso campinho de 80 metros quadrados, maior que nosso próprio apartamento. Achamos que é um privilégio contar com um naco de verde numa cidade tão castigada pelo cimento. Além disso, acreditamos que um gramado bem cuidado valoriza o imóvel.Nem todos pensam assim. Parte dos moradores quer que a quadra seja cimentada. Segundo eles, isso evitaria que as crianças sujassem os tênis e, a longo prazo, reduziria custos de manutenção da grama. Antes da votação, usei os seguintes argumentos:1) Mais cimento, mais enchentesA terra absorve a água da chuva. É fundamental que os condomínios mantenham alguma área verde para ajudar a evitar os terríveis alagamentos que caracterizam São Paulo.2) Interesse individual X interesse coletivoÉ justo que cada condomínio faça o que bem entende sem se importar com as conseqüências para a cidade? Que tipo de exemplo queremos dar aos nossos filhos? 3) O prazer de viverNosso pequeno oásis verde atrai passarinhos todas as manhãs. Da minha janela, vejo essa cena bucólica enquanto aproveito para descansar as retinas e curtir o incrível silêncio que temos ali. Às vezes, até trabalho nessa varanda. Coincidentemente, é dali, daquele sossego, que saem os textos mais elogiados pelo meu chefe.4) Quem vai usar a quadra?Os usuários de uma quadra cimentada formam um público bem específico: crianças, adolescentes e adultos que pretendem jogar bola. Um campo de grama atende aos interesses dessas mesmas pessoas e de muitas outras. Gente como eu, por exemplo, que adora estender uma toalha sobre a grama e ler um livro ou tomar sol.5) Vai doer no bolsoDuas leis municipais determinam que 15% da área dos condomínios deve permanecer permeável, justamente para reduzir o risco de enchentes na cidade. Uma terceira lei, estadual, foi aprovada recentemente e aguarda regulamentação. Se cimentar a quadra, o condomínio deixará de cumprir esse índice e pode ser multado.Esse argumento foi matador. Só com ele conquistamos mais gente para uma causa que deveria ser de toda a cidade. A grama venceu -- numa votação apertada e cujo resultado ainda não foi digerido pela brigada do cimento. Fiquei feliz com o resultado e triste ao constatar como nos falta educação ambiental. Em São Paulo, cada indivíduo se acha no direito de fazer o que bem entende no seu quintal sem perceber que cada ação tem um reflexo. As pessoas pagam os impostos e acham que isso lhes dá o direito de culpar exclusivamente os governantes pelas enchentes e outras tragédias que enfrentamos a cada verão. É como se São Paulo fosse um ente gigantesco e autônomo e não o produto das intervenções de cada um de nós. Os sociólogos podem explicar melhor de onde vem esse individualismo que embrutece São Paulo. Ele ainda me choca, embora eu tenha nascido aqui, me acostumado aos códigos da cidade e, apesar de tudo, aprendido a amá-la.Um dia depois da votação, caiu uma tempestade na Pompéia. Levei minha filha à varanda. Ela aprendeu, na prática, um pouco do que estamos tentando ensinar. Viu o que acontece com a água da chuva que cai sobre o gramado. Viu o que acontece com a água da chuva que fica empoçada sobre as lajotas. Entendeu por que eu e o pai dela batalhamos tanto por essa nesga de terra. Se sou uma ecochata, espero estar formando uma ecochatinha.

Cristiane Segatto é repórter especial e editora responsável pela área de Saúde & Bem-estar da revista ÉPOCA. É paulistana, ama a cidade e confia nas pessoas de mente e coração abertos.

www.blogdoplaneta.globolog.com.br

Valeu Edgar!

Um comentário:

  1. Pessoal,
    leiam, comentem e repassem.
    Parece bobo, papo-cabeça de ecochato, mas é um pequeno e muito significativo exemplo de ações que acontecem diariamente nas nossas cidades.
    Vamos ficar de olho e participar ativamente, como a Cristiane.
    As próximas gerações agradecerão.

    Abraços, Edgar

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